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As dores entre Neymar e Nájila: reflexões sobre as relações atuais

  • Foto do escritor: Estela Turozi.
    Estela Turozi.
  • 7 de jun. de 2019
  • 4 min de leitura

A acusação do episódio de agressão e estupro feito por Najila Trindade ao jogador Neymar tem mexido com os ânimos de todos os brasileiros. Para além de uma sociedade bárbara que adora atirar pedras nos primeiros que aparecem e adora ver o circo pegar fogo enquanto assistem ao espetáculo, quero aqui poder fazer uma pequena reflexão sobre as relações humanas atuais e o que nos tem causado tanta dor, mesmo que sejamos ou não conscientes disto.

Em primeiro lugar proponho sempre que nos coloquemos no lugar dor outro, neste caso no lugar dos outros. Para muitas pessoas, independente do grau de instrução e poder aquisitivo, isto pode ser muito difícil. É mais fácil quando temos empatia, ou quando já passamos por situações semelhantes, ou quando podemos OUVIR o outro sem julgamentos.

Vivemos em uma época em que usufruímos da liberdade de poder viver o sexo casual sem nenhum comprometimento. Não é mais necessário se esconder, mentir ou fugir para se conseguir fazer sexo com muitas pessoas (embora o julgamento da moral alheia ainda permaneça). Entretanto, temos vivenciado dezenas de casos de abuso sexual. Casos que geram dúvidas e questionamentos. É possível uma pessoa mentir e caluniar para atingir outra em benefício próprio? Claro que sim. É possível que pessoas ricas e famosas atraiam pessoas interesseiras. Óbvio. Mas, o que mais tem me chamado atenção neste e em casos semelhantes são os inúmeros questionamentos à suposta vítima. Parece que não sabemos como são as relações humanas neste planeta. Parece que estamos adormecidos para nosso próprio sofrimento.

Muitos homens e mulheres vítimas de violência não se dão conta disto por toda a vida. SOMOS UMA SOCIEDADE VIOLENTA. Normalizamos a violência e temos uma história recente de construção de direitos humanos e de ENTENDIMENTO sobre nossos próprios SENTIMENTOS.

O Desrespeito ao corpo é aprendido desde que nascemos. Quantos de nós não fomos afastados de nossa mãe nas primeiras horas de vida? Quantas de nossas mães não foram maltratadas durante o parto? Quantas de nossas crianças não continuam sendo forçadas a dormir sozinhas enquanto choram? A violência se naturaliza e é frequentemente justificada pela maioria de nós. Muitas vezes é camuflada por CUIDADO. Assim crescemos acreditando que muitos aspectos de violência são na verdade formas de “cuidar” e “amar”.

Oras, esta insanidade normalizada percorre todas as culturas e é tão bem introjetada em nós a ponto de não sabermos mais quem somos. Consequentemente não sabemos mais os limites do nosso querer, do nosso poder e do nosso próprio corpo. Desta forma nos tornamos adultos e vamos para a vida sexual cheios de ideias distorcidas sobre feminino e masculino.

No pouco que se sabe sobre a história de Neymar e Najila pode-se perceber uma relação bastante comum de um encontro para apenas sexo. O sexo se torna tão banalizado onde eu sequer preciso conversar com o outro. Claro, o próprio sexo é uma conversa, desde que eu ESCUTE o que o outro me diz. O CORPO FALA DE MUITAS FORMAS, MAS PARA SER COMPREENDIDO REQUER INTIMIDADE entre o casal.

Numa cultura machista é particularmente comum um homem que vê a mulher como objeto do seu prazer. Dinheiro não é problema, eu pago tudo e faço o que quiser. Não quero saber como se sente, não quero saber nem se você gosta. Não me importa, eu estou satisfeito e vou embora.

Numa cultura machista é também comum uma mulher que não sabe ao certo manifestar suas vontades, diferenciar prazer e violência, passividade e amorosidade. Uma mulher que não se conhece é muitas vezes mal tratada e aprende que deve agradecer. Aquele que a agride é o mesmo que a trata bem. Aquele que corre atrás dela é o mesmo que a despreza. Portanto a noção de ABUSO é muito recente. As próprias leis referentes a esta dor são contemporâneas.

Como (eu acredito) na maioria dos casos de brigas (que podem ou não ir à justiça) O SENTIMENTO MAIS PROFUNDO DAQUELE QUE FOI FERIDO É QUE SEJA RECONHECIDA A SUA DOR. Talvez o que mais dói em Nájila seja o descaso de Neymar. Ela deseja que ele tenha consciência de tê-la ferido (intencionalmente ou não). E ele jamais o fez. Até porque se o fizesse poderia estar construindo uma prova contra si mesmo ou pior, ele teria que olhar e admitir a própria sombra (eu fui um babaca com esta mulher). E olhar para a própria sombra DÓI e dá trabalho. Seria preciso REFLETIR sobre as relações, sobre o cuidado e respeito ao próprio corpo e ao corpo do outro. Seria ter que repensar sobre seus atos (será que ajo assim porque quero ou ajo assim porque é o que esperam de mim? no caso de um homem).

Talvez Neymar não tenha espaço em si para olhar para os sentimentos dessa mulher porque também não dedica tempo para ver os próprios sentimentos. O vazio depois de um sexo casual afeta homens e mulheres. Neymar também sente falta, também se sente sozinho, também pode querer vingança, também pode menosprezar a sensibilidade alheia, também pode se confundir com relações em que o outro não é totalmente verdadeiro e aprende que não precisa se dar valor. Com quantas pessoas ele já ficou que podem ter se sentido usadas e ele não quis nem saber? Quantas vezes ele mesmo se sente usado e não há quem o ouça?

É preciso olhar para as dores de mulheres e homens que se ferem constantemente. Sem distrações olhar para o mais profundo anseio que move nossas ações. Dói ser abusada(o), dói se conscientizar de ser abusador(a) e dói mais ainda perceber que não estamos nos respeitando, que nos abandonamos, que estamos perdidos nos acusando e defendendo de ofensas e agressões. Esta dor é complexa de entender e precisa ser acolhida, precisa ser trabalhada. O mal estar fica no corpo e adoece a medida que não é dissipado.

Estela Turozi.

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